terça-feira, 23 de agosto de 2016

Fio a fio


Eu comparo o amor
Ao tecido, bem tramado
Pela união dos fios
Ele é estruturado
E se faz como cetim
Seda, algodão ou brim
Seja liso ou estampado.

Quando um fio dessa trama
Repuxa pelo desgaste
Condena todo o tecido
Fazendo com que afaste
Cada dia uma fibra
E se o desencanto vibra
Não há malha que não gaste.

E então, fica o amor
Fadado à solidão
Puído, gasto, rasgado
Feito um pano de chão
Como um velho guardanapo
Prestes a virar um trapo 
Mesma coisa o coração.

Quando arde o desprezo
E surge a desconfiança
Quando tudo é medido
Como se faz em balança
A estopa se apresenta
Rasgada e poeirenta
À sarjeta ela se lança. 

Mas, se há o interesse
De ao tecido restaurar
Se é grande o desejo
De tudo se consertar
O amor, armado à linha
Com agulha bem fininha
Age pra se remendar.

Vira colcha de retalhos
Juntando os seus pedaços
Reunindo as alegrias
Minorando os espaços
Refazendo-se inteiro
Colorido e prazenteiro
Entre beijos e abraços.

O amor é um tecido
Caprichoso de bordado
E a cruz é só no ponto
Que com linha é formado
O amor é aconchego
Lençol de cobrir xamego
De qualquer apaixonado.


domingo, 14 de agosto de 2016

Ecos abissais - uma velha canção num toca-fitas

"Se estar entre as pessoas
Lhe afoga em solidão
Se o abrigo mais seguro
Está no seu coração,
Não se acanhe, feche a porta
Leve o peso que suporta
Livre-se da ilusão


E se mesmo assim, for duro
Um abismo interior
Se andar nesses caminhos
For um fardo assustador
Se em si há um deserto
E se não enxerga perto
Um auxílio a seu favor.

Não desista da jornada
Mesmo só, mesmo cansado
Pois, ainda existe o belo
Nesse imenso descampado
Dos espinhos brotam flores
Amenize suas dores
Eu um pôr-do-sol dourado

Tenha sempre esperança
Não se entregue ao desalento
Vislumbre qualquer abismo
Sinta a carícia do vento
Mas, pondere, não se atire
Seu olhar ao longe, mire
Distante do pessimismo

Rebusque suas memórias
Ache a graça esquecida
Retorne aos seus princípios
Gaste a mágoa reprimida
Ache seu “eu” verdadeiro
Faça o amor ser rotineiro
E tudo transforme em vida!"




quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Alteza


A princesa, em trajes reais, esconde mais que suas anáguas. 
O espartilho que harmoniza sua silhueta às retinas masculinas não deixa passar a ansiedade em seu peito, a angústia de sentir-se escrava do mundo das formas, de pinturas, joias e tecidos. 
A princesa quer montar a cavalo, sujar os pés, rasgar o vestido.

A princesa é pássaro cativo, é rês bravia, flor selvagem, mas não há quem vislumbre e mensure a mágica de seu maravilhoso mundo por trás do pó de arroz.


"Apaixocado"

Todo apaixonado é meio bobo, seu amor transborda, salta aos olhos e contagia tudo. 
O enamorado ganha seu tempo em contemplações infinitas e suspirantes, animando o inanimado, compadecendo-se de meias sem par, escutando o som da chuva como sinfonia de Vivaldi, cantando enquanto pedala por entre o trânsito caótico causando certo ódio aos motoristas que, enfurnados em seus veículos e presos em sua rotina de ir e vir sem saber aonde realmente desejam chegar,não entendem a razão de tamanha e irritante felicidade.
O ser 'in love' vive uma doce esquizofrenia onde o seu mundo se revela com toda a sua pureza e grandiosidade, exteriorizando sua essência, a alquimia interior de tornar amor qualquer matéria fria e desprovida de sentimentos.