quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Livusia

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     Quando alguém morre, chorar pelo falecido é comum. A quem ficou resta se descabelar pelo inconformismo e até não acreditar. Mas, com o tempo, quem sofreu acaba se acostumando e seguindo com a sua vida. Daí, sabiamente, se desapega de objetos do morto e se desfaz daquilo que não terá mais utilidade além de fazê-lo regressar à "presença" do defunto.
     Esse processo é complexo: deixar de lado itens que remetem a lembranças que transportam a momentos únicos que não voltarão a se repetir e, em contrapartida, sofrer ao encarar as memórias materializadas em roupas, fotografias e em locais no qual se vivenciou algo com quem se foi (para alguns pode chegar a ser como passear num museu de horrores). Não é fácil pra ninguém, isso é fato. Mas nada se compara a passar por tudo isso por alguém que está vivo, literalmente, e, morto, simbolicamente, em sua história.
     É pesaroso carregar o fardo da "perda" de alguém que se retirou por vontade própria da sua vida, jurando nunca mais voltar. Na condição de ser vivo e ativo, esse alguém pode estar ali na esquina, do outro lado da linha ou a um clique de distância, mas, inacessível, propositadamente... 
Quem foi deixado pra trás, em muitos casos, lida com o sentimento inefável do abandono, da desilusão, da impotência perante a situação... E se não há o que se fazer (por não depender somente dele) mais prudente é considerar que tudo já está feito, pois, é misterioso o campo das emoções e ser racional dessa vez pode livrar-lhe da roda das torturas que se instalou no seu coração.
Sob essa condição, o excluído, assim como um enlutado, tenta desfazer-se de tudo(possível)que traz lembranças de quem está ausente, numa tentativa desesperada de eliminar as recordações e voltar a ter paz. Como numa "fogueira santa", busca desapegar-se dessa história sabendo que, por certo tempo, ainda será perturbado e traído por seus próprios pensamentos... 
     Nessa onda de melancolia, vislumbra uma lavagem cerebral e, no limite do insuportável, da dor imensurável e subjetiva,imagina uma lobotomia ou um acidente qualquer que o faça perder a memória e esquecer essa passagem, pois, mesmo passando por todo esse conflito, indubitavelmente, é preciso se dar a chance de se refazer.
     Como se não fosse pouco tudo isso, ainda há a questão de conviver com as outras pessoas que vieram dessa relação - parentes do indivíduo, amigos em comum - e ter a disciplina para sequer tocar em seu nome ou perguntar por ele. É como se esse tal indivíduo nunca houvesse existido ou tivesse virado um fantasma, uma assombração que não se deve invocar, pois, do contrário, estaria sabotando a si próprio, mesmo que de forma involuntária, correndo o risco de viver atormentado. É estranho, mas é a realidade de muitos.
    A essa pessoa abandonada, como a quem  está em luto, é mais construtivo fluir, seguir sozinho, aceitar o lugar de cada um, respeitar as escolhas alheias, deixar que o tempo se encarregue de dizimar sua angústia e que a vida lhe traga novas oportunidades de tentar ser feliz. Lutar para não alimentar mágoas é indispensável para sua libertação.
     E, para o "morto-vivo" que lhe proporcionou essa experiência, duas ave-Marias, uma vela de sete libras e a súplica de que o Universo lhe envie toda a energia necessária para que sua alma vá para a luz. Amém.






Prece a Netuno

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"Que cada um possa encontrar seu norte
Com ou sem bússola, explorando o desconhecido
Guiado por constelações luminosas
Ou por faróis esquecidos aos olhos marejados

Que possam navegar no oceano secreto do seu 'eu'
Com perseverança para enfrentar tempestades íntimas
E serenidade para contemplar, com gratidão
A calmaria d'um horizonte apaziguado
Que haja fôlego para mergulhar nas águas profundas da vida e de si mesmo
Sem se deixar afogar em seus próprios temores e ego
Respeitando a natureza do mar que o cerca
a todas as criaturas que nele habitam
Que lhes seja concedido um porto seguro
Quando decidirem descansar o coração
E, havendo este lugar, que haja sabedoria suficiente
Para reconhecer o momento propício de recolher as velas
E guardar os remos para firmar-se em amor
A quem decidir se aventurar sem âncora
Que bons ventos soprem a seu favor
Livrando-lhe da turbulência e da fúria dos mares revoltos em rotas mal exploradas
Para que se vá ao longe e prospere em sua busca
De tal maneira que sua felicidade não morra na praia
E que suas lembranças não se resumam a acenos de cais
a lamentos de velhos naufrágios
Que exista vida nas águas que os banham
As quais lavam suas almas
E que se sintam parte do todo que contemplam
Dos grãos de areia às estrelas do céu
Aonde retornarão um dia
Levando consigo as histórias vividas
Para além da eternidade".