quarta-feira, 3 de maio de 2017

Encantamento



Abstruso é descrever agora
O quão extasiante é sentir você
Sem ao menos estar ao seu lado
Sem ao menos tocá-lo
Sem ao menos vê-lo
Ou ouvi-lo

Estamos um no outro, telepaticamente
Perambulo em suas sinapses
E me sinto parte de você
Da mesma maneira que o acolho
No âmago do meu ser.

Internalizo você e me vejo em duas partes
Somadas e unidas
Na simbiose das falas
Na osmose dos pensamentos
Em tudo quanto compartilhamos
E comungamos
Depois de um longo jejum
Das almas famintas de paz

Você extirpa minhas dores
E exorciza meus demônios
Suas palavras vão além
Do que é expresso
Sintetizando todo o pulsar
Da energia que emana
Pelo magnetismo latente.

O medo que habita meu íntimo
Desaparece como faísca
Feito fumaça de incenso
E não mais me alcança
Tampouco insiste em pesar
Sobre os meus ombros cansados
O peso dos madeiros cotidianos
Da existência que me foi concedida
Algumas vezes, quase indesejada

E mesmo que eu use aqui todas as palavras
Todos os signos e símbolos
Ainda seria insuficiente
Para narrar o subjetivo
Descrever o impalpável encontro
De desígnios incógnitos
Numa breve aventura noturna
Dos amantes anônimos e castos
Felizmente satisfeitos com a transcendência
Dos desejos além do espaço-tempo

Os dizeres confundem mais que explicam
E não serão suficientes a quem quiser
Esmiuçar nossos sentimentos
Somente nós saberemos
Do instante em que não estamos juntos
Mas, unidos, como numa só consciência
Que não está disponível
A quem não está contido no poema...

Negativa



Por favor, não vá
Recuse o convite, desista
E não se jogue voluntariamente às águas turbulentas
Essas que são alimentadas de tempestade
Que faz intemperada a rocha do seu "eu"
E que mutila sua esperança.

Não ouça o murmúrio convidativo das almas penadas
Que não deixam cicatrizar suas feridas
Já impossíveis de ficar implícitas
Crescendo tal qual aumenta a sua dor

Evite seguir esse trajeto, tantas vezes trilhado
Pelos desesperados
Que te mostram agora uma direção 
Para um caminho imundo ao covil dos lobos.

Suas pernas, seu caminhar pertencem exclusivamente a você
Ninguém o comanda, o seu estado é livre, é independente
Tudo que vem de você é autêntico e único... E belo!
Não se aliene aos pensamentos fúteis
Que tentam te ludibriar, roubá-lo de si

Sucumba entre os escombros
Calce suas botas de sete léguas e trilhe um novo destino
Ponha na sacola a velha viola
Do sol faça claves
E trace no infinito universo
A partitura da melodia que regirá a trilha sonora da sua vida.  

(So)Frida


Por um longo tempo se fez lagarta
Sobrevivendo com auxílio da camuflagem
Escondendo-se dos predadores que não podiam notá-la
E assim se fazia parte da verdura dos seus caminhos campestres

A mudança da estação lhe forçou a metamorfosear seus medos
E criar asas para voar longe
Tão longe quanto pudesse querer
E se sentir plena, inteira, dona de si

Muito vagou entre flores
Viu seus espinhos, mas, preferiu focar nas cores e aromas
Na doçura do néctar

Porém, um dia, a ventania veio mais forte
E a baforada quente de um vento de março
Desgastou e puiu suas frágeis asas de monarca
E aquele sol dourado que formava auréolas celestes em sua palma
A queimou como fez com a mata na estiagem.

Foi o tempo que a sentenciou
O tempo dos contratempos
E ela foi, caindo... Caindo... E assim ficou
Girando como semente membranosa de ipê
Perdida, sem saber onde pousar.

O que era ameno era apenas fantasia
Todo o afeto e candura das rosas foram pulverizados
Com a realidade que se escondia
Entre orvalhos e pedrinhas redondas
E agora se figurava à sua frente
Como um buraco negro, um abismo que lhe consumia.

E apesar da bonança e alegria
Dos dias vividos à sombra dos bouganvilles e umbuzeiros
O presente se mostrava como espinho que lhe trespassava o peito
Que manchava e minava sua frágil esperança
No pôr-do-sol alaranjado do amanhã.

Mas o inofensivo inseto sabia
Que nem tudo estava terminado
Sentia a força naquela delicadeza
Dos resquícios de liberdade que surgiam da amnésia da dor

O infortúnio estava acabando
Apenas cacos restavam da lâmina faminta
Que rasgara-lhe a garganta por dentro
Apenas uma garoa sobrou do monstruoso temporal em suas asas
Daquilo que ela sempre quis ignorar.

Ferida, mas, leve como pluma
Deixava-se levar novamente na dança das folhas
Indo de qualquer lugar a lugar nenhum ou a um lugar-comum.

A esperança, mesmo tímida, persistia
Apesar do sofrer dilacerante
E não mais se sentia só -
O amor ainda lhe acompanhava.