quarta-feira, 3 de maio de 2017

(So)Frida


Por um longo tempo se fez lagarta
Sobrevivendo com auxílio da camuflagem
Escondendo-se dos predadores que não podiam notá-la
E assim se fazia parte da verdura dos seus caminhos campestres

A mudança da estação lhe forçou a metamorfosear seus medos
E criar asas para voar longe
Tão longe quanto pudesse querer
E se sentir plena, inteira, dona de si

Muito vagou entre flores
Viu seus espinhos, mas, preferiu focar nas cores e aromas
Na doçura do néctar

Porém, um dia, a ventania veio mais forte
E a baforada quente de um vento de março
Desgastou e puiu suas frágeis asas de monarca
E aquele sol dourado que formava auréolas celestes em sua palma
A queimou como fez com a mata na estiagem.

Foi o tempo que a sentenciou
O tempo dos contratempos
E ela foi, caindo... Caindo... E assim ficou
Girando como semente membranosa de ipê
Perdida, sem saber onde pousar.

O que era ameno era apenas fantasia
Todo o afeto e candura das rosas foram pulverizados
Com a realidade que se escondia
Entre orvalhos e pedrinhas redondas
E agora se figurava à sua frente
Como um buraco negro, um abismo que lhe consumia.

E apesar da bonança e alegria
Dos dias vividos à sombra dos bouganvilles e umbuzeiros
O presente se mostrava como espinho que lhe trespassava o peito
Que manchava e minava sua frágil esperança
No pôr-do-sol alaranjado do amanhã.

Mas o inofensivo inseto sabia
Que nem tudo estava terminado
Sentia a força naquela delicadeza
Dos resquícios de liberdade que surgiam da amnésia da dor

O infortúnio estava acabando
Apenas cacos restavam da lâmina faminta
Que rasgara-lhe a garganta por dentro
Apenas uma garoa sobrou do monstruoso temporal em suas asas
Daquilo que ela sempre quis ignorar.

Ferida, mas, leve como pluma
Deixava-se levar novamente na dança das folhas
Indo de qualquer lugar a lugar nenhum ou a um lugar-comum.

A esperança, mesmo tímida, persistia
Apesar do sofrer dilacerante
E não mais se sentia só -
O amor ainda lhe acompanhava.

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